terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Café Nice

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CARNAVAL 2015

Uma noite no Café Nice

 Bernardo Argento


Todo mundo frequentava o Nice, mas as mulheres eram minoria
Todo mundo frequentava o Nice, mas as mulheres eram minoria


O que Ary Barroso, Noel Rosa, Cartola, Mário Lago, Pixinguinha e Donga tinham em comum, para além de terem seus nomes gravados entre os maiores mitos da música brasileira?

Todos eles frequentavam o extinto Café Nice.

O local funcionava como uma espécie de “mercado musical”, no qual diversos artistas trocavam experiências e vendiam seu peixe – ou seus sambas. Novas composições, caitituagens e muita conversa fiada rolavam até altas horas da madrugada. Os músicos faziam do lugar um verdadeiro templo.

Às vezes, rolava um palpite certeiro para terminar um samba meio encalacrado. Em outras, a oportunidade de ver sua composição na voz daquele astro do rádio da mesa ao lado. Mas tudo no sapatinho, porque, como se dizia, “as paredes do Café Nice têm ouvidos”.
 
Inaugurado em 18 de agosto de 1928, na Rio Branco, 174, o Café Nice nasceu na época em que o Rio completava seu processo de reurbanização, seguindo o modelo parisiense. Portanto, nada a estranhar no nome francês.

Havia, na época, toda uma etiqueta – regulada por lei, inclusive, para frequentar o Centro da cidade. Chapéus e paletós eram indispensáveis. Os boêmios também se enquadravam na “linha”. A avenida Rio Branco, construída no começo do século XX, era o palco maior dessa cidade renovada. A localização privilegiada ajudou o Nice a ter um lugar de destaque na história carioca até ser fechado em meados da década de 1950.


“Em frente ao Café Nice ficava o Cinema Parisiense. Foi o primeiro a ser instalado na Rio Branco, em 1907. Ao lado ficava o Cineac Trianon. Nesse trecho ainda tinha a Rádio Clube do Brasil e o Theatro Municipal mais à frente. Então, era um ponto de encontro maravilhoso, que teve uma representatividade muito grande na história do Rio de Janeiro, para a boemia e o lazer”, conta o radialista e pesquisador Osmar Frazão – apelidado pelo apresentador Flavio Cavalcanti, em cujo programa foi jurado, de “Enciclopédia da Música Popular Brasileira”.

Frazão lembra, com a saudade gravada na voz, uma história presenciada no Café Nice:

“Eu era garotinho em 1944, tinha uns oito anos. Estava sentado ali, com minha família, e Francisco Alves, o ‘Rei da Voz’, pediu licença e subiu na nossa mesa. Minha mãe ficou danada da vida. Ele cantou: ‘Que Rei sou eu, sem reinado, sem coroa, sem castelo e sem rainha, afinal que rei sou eu?’. Minha mãe aborrecida falou ‘por que esse cara subiu nessa mesa, com tantas mesas em outros lugares?’ e o meu pai disse: ‘Deixa, é meu amigo, Francisco Alves, o Rei da Voz”.
O ambiente era diversificado. Do lado de fora, havia mesas e cadeiras de vime. Na parte interna, dois espaços diferentes: um mais sofisticado, servindo lanches, chás e bebidas finas; outro, mais popular, com a tradicional média com pão e manteiga, cafezinho e bebidas simples. Este local era o preferido dos intérpretes e compositores.
 
E por que se dizia que as paredes do Nice tinham ouvidos?

“Um tinha medo de que o outro tomasse a música. Tinha gente que não era compositor, mas frequentava o local pela boemia, como o Kid Pepe e o Germano Augusto, que chegaram a assinar algumas canções (o primeiro, por exemplo, é comprositor de ‘O orvalho vem caindo’, em parceria com Noel Rosa). Até porque, compositor não era profissão. E o direito autoral não sustentava ninguém nesse tempo. Por isso, às vezes, se vendia a parceria para outro. Quando havia uma música boa, alguém oferecia dinheiro em troca do nome no disco”, conta Frazão.
 
Outra história clássica do Nice envolve o compositor Haroldo Lobo, um dos grandes nomes da música de Carnaval no Brasil.

Um de seus parceiros, Nestor de Holanda, teve uma ideia e convidou o mestre para conversar sobre ela no Nice. Empolgado, ele mal viu o parceiro e perguntou, já cantarolando: “Rapaz, o que você acha dessa ideia: ‘quem tem culpa tem medo’?”

Malandro mais experiente, Haroldo, que foi, inclusive, guarda civil, advertiu: 
“A ideia é ótima, mas vamos falar bem baixinho”.
Segundo conta Nestor, o receio fez com que eles tomassem apenas um cafezinho ali antes de ir para a sede da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) para trabalhar a canção numa sala da instituição.

Chegando lá, encontraram o também compositor Zé da Zilda, que mostrou-lhes uma marchinha que estava compondo e que começava com o verso: “Quem tem culpa tem medo…”.

 Perguntado como teve a ideia, disse que... tinha sido um velhinho vindo do Café Nice.


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