domingo, 3 de março de 2013

“Getz/ Gilberto”, 50 anos de um disco histórico

No bilhete, o baixista Tião Neto mandava notícias (“news quentinhas”, como chamou) dos músicos brasileiros em Nova York:

" Estamos gravando dia e noite. Eu, por exemplo, gravei para a Verve um LP de b.n. (bossa nova), em companhia de Stan Getz, João Gilberto, Tom Jobim e Milton Banana. Embora minha opinião seja suspeita, acho que o disco vai ser o melhor de b.n. internacional gravado até hoje”. 

O texto, publicado em 11 de abril de 1963 na coluna “O GLOBO nos discos populares”, fazia referência a “Getz/ Gilberto”, gravado um mês antes e lançado no ano seguinte — Tião não citara a participação de Astrud Gilberto. Mais que uma “opinião suspeita”, o relato atestava a sensibilidade de seu autor em identificar no álbum, gravado há 50 anos, um clássico — desde o lançamento, louvado por músicos de jazz e aclamada pelo público em geral, acumulando Grammys e semanas nas parada de sucessos, mantendo-se influente até hoje.



João Gilberto parecia não concordar. Na mesma coluna, em 30 de março de 1964, uma nota afirmava, grafando errado seu nome:

“João Alberto não gostou de seu LP da Verve com Stan Getz. Disse que, se pudesse, embargaria o lançamento do micro...”.

No livro “Chega de saudade”, Ruy Castro conta que os dois tinham dificuldade em concordar sobre qual era o melhor take entre os gravados — e muitas vezes o produtor Creed Taylor tinha que dar o voto do desempate. Nesse ambiente, o encontro rendeu, além de um grande disco, um diálogo histórico, com Tom Jobim como intérprete.

João pediu: 
“Tom, diga a esse gringo que ele é um burro”.

 Tom, para Getz:  
“Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”.

Mais tarde, o brasileiro reclamaria também da equalização do disco, que fez o saxofone soar mais alto.

João Donato, porém, lembra que seu xará, pouco depois da gravação, mostrava-se empolgado com o encontro:
Logo depois, fomos fazer uma temporada de oito semanas na Itália, eu, João Gilberto, Tião Neto e Milton Banana. Eles falavam animados da gravação com Getz, João me contou que tinha gravado com ele uma música chamada “Garota de Ipanema”, que eu não conhecia. Ele me mostrou ali — recorda Donato, amante do jazz que apresentou a música de Getz a João Gilberto.

Bev Getz, filha do saxofonista, conta que seu pai sempre se referiu com carinho ao fato de ter cruzado caminhos com os brasileiros:
Ele adorou ter trabalhado com Tom Jobim e João Gilberto. Sentiu que houve uma compreensão profunda e instantânea entre eles, baseada na música que estavam criando juntos — conta ela, que atualmente procura João Gilberto, que conheceu quando era criança, para conversar sobre suas memórias da reunião entre ele, Tom e Getz.
 ....

A reunião dos músicos — o sax de Getz, o violão e a voz de João, o piano de Tom, o canto de Astrud, a bateria de Milton Banana e o baixo de Tião Neto (que por anos foi “apagado” da ficha técnica do disco, substituído por Tommy Williams) — foi registrada sem muita atenção pela imprensa brasileira na época, que pouco antes acusara quase em uníssono o “fracasso” do concerto de bossa nova no Carnegie Hall em 1962. A própria Verve não parecia entusiasmada com o álbum, que manteve por um ano na gaveta.

Quando o disco enfim saiu (junto com o single de “The girl from Ipanema”, em versão reduzida, sem os vocais de João, que originalmente gravara um dueto com Astrud) e começou a vender milhões, a atenção imediata foi para a voz feminina que estava ali. Astrud nunca gravara nada antes, apesar de cantar em encontros musicais e de ter se apresentado na histórica “Noite do amor, do sorriso e da flor”, em 1960.
... A cantora, que ganhou US$ 120 pela gravação (a tabela do sindicato), dá outra versão em seu site.

 A ideia teria sido de João:  

“Um dia, poucas horas antes de Stan Getz vir ao nosso hotel em Nova York para um ensaio com João, ele me disse com um ar de mistério: ‘Hoje você vai ter uma surpresa.’” Mais tarde, quando tocava “Garota de Ipanema” com o saxofonista, João teria casualmente chamado a mulher para cantar uma parte em inglês. “Quando terminamos, João virou para Stan e disse (em inglês de Tarzan) algo tipo: ‘Amanhã Astrud canta no disco... o que você acha?’. Stan foi muito receptivo, disse que era uma ótima ideia”, ela conta.


Fosse de quem fosse, a sugestão puxou o disco e rendeu a Astrud, além de enorme popularidade, um Grammy — melhor gravação (ao lado de Getz) e uma indicação (ao lado de Tom) como Revelação.
Perdeu para os Beatles.

Fonte /OGLOBO/youtube

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