sábado, 12 de janeiro de 2013

RUBEM BRAGA, 100 ANOS



Foto/ reprodução 

Rubem Braga homem-crônica, como muitos o consideraram , com mais de 15 000  textos escritos do gênero, celebraria, nesse 12 de janeiro seu centenário.


" Há mil Rubens dentro de Rubem Braga"  Clarice Lispector 


Capixaba, escolheu para seu pouso - como  os pássaros que tanto amava - o Rio de Janeiro, onde recriou a atmosfera interiorana de sua Cachoeiro de Itapemirim -  a mesma terra de Sérgio Sampaio (“Eu vou botar meu bloco na rua”) e de Roberto Carlos , numa área comum do condomínio, num espaço ocioso é árido, junto à casa de máquinas,transformando sua moradia na mais verdejante cobertura do bairro. Ali em Ipanema, na Barão da Torre.

Vizinha de bairro, cá debaixo da rua sempre vi o verde suspenso e fiquei a imaginar o pomar e como seria. Entre a grama, romã, goiabeira, pimenteira, pitangueiras, jabuticabeiras, coqueiro-anão e mangueiras, e beija-flores, rolinhas e sabiás -estes que inspiraram o nome de sua editora -  Rubem Braga  escreveu, e muito bem,  o gênero vira-lata da literatura brasileira,   como ele mesmo tratava a própria obra: a crônica para o dia seguinte.

"Meu terraço é frequentado por passarinhos, 
como tico-tico (mais de uma vez já fizeram ninhos aqui,
e de uma delas um chupim botou ovos lá, 
e o pobre tico-tico teve de criar aqueles filhotões pretos, 
maiores do que ele) rolinha, pombos, bem-te-vis 
(que às vezes comem peixinhos de um pequeno tanque que eu tenho) e, 
sempre que tem fruta madura, sanhaços; é interessante que os pardais,
que enchem as árvores da praça, não aparecem aqui." 


Fotos/ reprodução 


"Devo confessar que não entendo nada de jardim, 
tenho mão ruim para plantar qualquer coisa,
 meu terraço vive sempre meio bagunçado e com mudas novas
(outro dia plantei canela, pegou, mas não está crescendo muito)
 às vezes espalho sementes de flores francesas
 e ficam uns recantos bonitos, às vezes semeio, semeio e não nasce nada."


"Foi Roberto Burle Marx quem desenhou o jardim do meu terraço,
 e tudo o que ele "receitou" pegou bem, e aguenta o sol 
e os ventos de sudoeste e a lestada cheia de sal do mar, 
mas com o tempo eu fui mudando, acabei por exemplo com as iúcas,
que ferem como punhais, plantei grama japonesa (soyza matrella) que ele próprio,
 Burle Marx, me deu muito mais tarde e que invadiu tudo."

( (trechos da crônica "Terraço", 1973, inédita em antologia)


O autor que gostaria de criar uma história que, de boca em boca, fosse mudando a vida das pessoas( "Meu ideal seria escrever..." ). segundo Manuel Bandeira escrevia ainda melhor quando não sabia sobre o que escrever. Clarice Lispector fez coro nesse sentido: para ela, não havia ninguém melhor em enrolar o leitor. Exemplos não faltam. Certa vez disse


“Às vezes a gente parece que finge que trabalha; o leitor lê a crônica e no fim chega à conclusão de que não temos assunto. Erro dele. Quando não tenho nenhum frete a fazer, sempre carrego alguma coisa, que é o peso de minha alma, e olhem lá que não é pouco.”

E não é pouco mesmo. Descreveu a cidade, hábitos, costumes, mazelas, belezas com sua linguagem coloquial e temáticas simples. Como a crônica abaixo escrita há 60 anos, em 1953.

Ele nos deixou em 1990, mas sempre é tempo para saborear seus textos... e comemorar seu centenário!





O Verão e as Mulheres


Talvez tenha acabado o verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.

Estamos tranqüilos. Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem a guerra. Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as evoluções de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o verão.

Sim, as mulheres estão sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de janeiro elas sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; seus olhos brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio, ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos também; algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando de súbito defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e certamente, quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.

Entregam-se a redes; é sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres não habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.

Observei uma dessas pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia atingindo o  primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do Carnaval. Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de fevereiro; sua boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela pôde ser salva.

Se realmente já chegou o outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas coisas; é tempo de buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.

Vamos atenuar os acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas mulheres. As que sobreviveram a este verão.
Março, 1953.

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