quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Vinícius 95 anos_parte3


Um lindo poema de Vinícius de Moraes
com Copacabana, como inspiração.

Ele faz parte do livro NOVOS POEMAS II, de 1959, com poemas escritos entre 1949 e 1956.


Esta é Copacabana, ampla laguna
Curva e horizonte, arco de amor vibrando
Suas flechas de luz contra o infinito.
Aqui meus olhos desnudaram estrelas
Aqui meus braços discursaram à lua
Desabrochavam feras dos meus passos
Nas florestas de dor que percorriam.
Copacabana, praia de memórias!
Quantos êxtases, quantas madrugadas
Em teu colo marítimo!
– Esta é a areia
Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas
– Aquele é o bar maldito.
Podes ver
Naquele escuro ali?
É um obelisco
De treva – cone erguido pela noite
Para marcar por toda a eternidade
O lugar onde o poeta foi perjuro.
Ali tombei, ali beijei-te ansiado
Como se a vida fosse terminar
Naquele louco embate.
Ali cantei
À lua branca, cheio de bebida
Ali menti, ali me ciliciei
Para gozo da aurora pervertida.
Sobre o banco de pedra que ali tens
Nasceu uma canção.
Ali fui mártir
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo
Aqui encontrarás minhas pegadas
E pedaços de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu.
Num grito de socorro
Entreouvido na noite, ali estou eu.
No eco longínquo e áspero do morro
Ali estou eu.
Vês tu essa estrutura
De apartamento como uma colmeia
Gigantesca? em muitos penetrei
Tendo a guiar-me apenas o perfume
De um sexo de mulher a palpitar
Como uma flor carnívora na treva.
Copacabana! ah, cidadela forte
Desta minha paixão! a velha lua
Ficava de seu nicho me assistindo
Beber, e eu muita vez a vi luzindo
No meu copo de uísque, branca e pura
A destilar tristeza e poesia.
Copacabana! réstia de edifícios
Cujos nomes dão nome ao sentimento!
Foi no Leme que vi nascer o vento
Certa manhã, na praia.
Uma mulher
Toda de negro no horizonte extremo
Entre muitos fantasmas me esperava:
A moça dos antúrios, deslembrada
A senhora dos círios, cuja alcova
O piscar do farol iluminava
Como a marcar o pulso da paixão
Morrendo intermitentemente.
E ainda
Existe em algum lugar um gesto alto,
Um brilhar de punhal, um riso acústico
Que não morreu.
Ou certa porta aberta
Para a infelicidade: inesquecível
Frincha de luz a separar-me apenas
Do irremediável.
Ou o abismo aberto
Embaixo, elástico, e o meu ser disperso
No espaço em torno, e o vento me chamando
Me convidando a voar...
(Ah, muitas mortes
Morri entre essas máquinas erguidas
Contra o Tempo!)
Ou também o desespero
De andar como um metrônomo para cá
E para lá, marcando o passo do impossível
À espera do segredo, do milagre
Da poesia.
Tu, Copacabana,
Mais que nenhuma outra foste a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mas suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível.

Amanhã tem mais!


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